quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Muito além de um filme

Esqueça o não-cenário de Manderlay (idêntico ao de Dogville). Este não é o detalhe que vale a pena no filme de Lars von Trier. O que faz a diferença no longa é exatamente o princípio que permeia o Baião de Dois: ponto de vista diferente. Apesar de a crítica pegar no pé do diretor dinamarquês abordar um assunto tão “estadunidense”, a escravidão, poucas pessoas conseguiram contar a história como ele. Pelo menos das coisas que já vi/li/ouvi, nada se compara.

Invertendo completamente a lógica da coisa, Lars Von Trier consegue causar um verdadeiro malestar (novas regras ortográficas) em quem assisti ao filme. Cria-se uma sensação física mesmo, de ansiedade em relação às próximas cenas. Violência Gratuita, de Michael Haneke, também me deixou com uma sensação parecida.

Além do conhecimento histórico trazido à baila, o grande mérito do diretor é demonstrar como uma inversão de papéis e um olhar de um lado diferente ao comum podem mudar o entendimento sobre um assunto que a maioria das pessoas tem uma opinião muito bem definida e alinhada entre si.

O exemplo deveria servir para qualquer um que queira contar uma história, sobretudo, se se tratar de oprimidos versus opressores. Mesmo se não quiser contar absolutamente nada, a forma como foi filmado, faz com que pensemos sobre nossas convicções e os famosos “certo e errado”, além da questão daquilo que significa justiça e injustiça.

É um filme, mas Manderlay funciona como uma aula de filosofia com requintes de análises psicológicas.






Existem filmes bons ou ruins. Alegres ou tristes. Fictícios ou reais. E existe Manderlay.

O segundo capítulo da trilogia de Lars von Trier é capaz de reunir todos esses paradoxos em um longa de uma riqueza tão infinita de interpretações que é difícil encontrar uma só palavra para descrevê-lo.

Primeiro, pelo fato de que, assim como em Dogville e provavelmente na terceira etapa da série que ainda está por vir, o cenário é desprovido de complementos cinematográficos. Os espaços são delimitados por paredes imaginárias e demarcações no solo, o que causa estranheza à primeira vista e requer do espectador uma atenção minuciosa.

Depois, pela história narrada. Não revelarei o enredo, mas a personagem de Grace mais uma vez oscila entre glórias e infortúnios em questão de minutos, o que eu considero ser a parte mais sensacional do filme. Como, em quase três horas de filme, toda a conjectura construída é arruinada, de uma maneira tão exata e certeira. E como tudo isso gera no espectador uma série de reflexões e sensações ao mesmo tempo. O filme te obriga a pensar desde o início, já que trata da questão de negros escravos e te cerca de personagens que resgatam aqueles preceitos da escravatura estudados nas aulas de história que você jamais lembraria.

Posto isso, o diretor quebra toda a estrutura ao final do filme. Quando você já havia raciocinado exaustivamente sobre cada cena. Daí a ruptura é tão brusca que a única conclusão que eu chego é que Lars Von Trier propõe um filme tão maçante e longo justamente para rechear sua mente de idéias e, de repente, quebrar todas elas de uma só vez. A peculiaridade é que não é um desfecho patético, só para impressionar. Tudo faz sentido, e muito.

3 comentários:

Natiê Amaral disse...

Gosto de lars von trier desde "dançando no escuro". Gosto da forma como ele trabalha a crueldade (não sei se essa é a palavra certa) inocente. E realmente, ele consegue causar um malestar em nós.

Ainda não vi manderlay, embora tenha vontade... e agora fiquei com mais vontade ainda.

Bom saber que vocês são apreciadores do bom cinema... e que encontrarei aqui um pouco disso.

Belano.

24 de janeiro de 2009 às 15:27
Anônimo disse...

Dançando no Escuro é um dos poucos filmes que me fizeram chorar na vida. Além do mérito do diretor, a Björk (com trema é o máximo, já que na Islância o acordo ortográfico ainda chegou) está demais. Atuação impecável. Drama pouco é bobagem.

26 de janeiro de 2009 às 16:27
Anônimo disse...

Mesmo no Brasil, onde o acordo ortográfico chegou, Björk continua com trema. A alteração, como se sabe, não alcançou palavras estrangeiras...

7 de fevereiro de 2009 às 16:13

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